Aprendendo com os Salmos

Publicado em Artigos, por Redação em 23/01/2024


Fartura de bondade (Salmo 65)

 

Jesus alertou seus discípulos sobre os últimos tempos com palavras de grande preocupação. As pessoas ouviriam falar em guerras, rumores de guerras, filhos contra pais e perseguição generalizada. Haveria desesperança e apostasia. Haveria grandes dores. O conselho de Jesus não foi, porém, que as pessoas se escondessem ou buscassem vingança ou enfrentamento. Jesus recomendou perseverança e resistência.

 

Quando penso nisso e leio o Salmo 65, contemplando os desafios do meu tempo e da vida da Igreja na atualidade, vejo o quanto os salmistas nos ensinam para aumentar nossa fé em tempos desafiadores como os atuais. Tendemos a achar que por sermos pequenos diante dos desafios seremos consumidos. Ou corremos o risco de viver uma alienação de nós mesmos e dos outros, achando que nada pode nos atingir. Nenhum desses extremos é verdadeiro ou saudável. A Palavra de Deus é mais profunda e mais ampla do que isso!

 

Quero concentrar o estudo de hoje no verso 4 e alimentar seu coração e o meu com esperança diante dos desafios e dos pecados que temos a vencer.

 

Bem-aventurado aquele a quem tu escolhes

Quando eu era criança, quase nunca era escolhida na hora dos esportes. Não era muito boa em nada, mas fui uma excelente goleira de handebol. Tomei todas as pancadas possíveis, mas então veio a miopia. Jogar de óculos num esporte de contato é algo que não existe. Fui para escanteio outra vez... Na adolescência, amei uma pessoa que me trocou por outra sem sequer satisfação. Aquilo doeu profundamente. Outras tentativas de amor não deram muito certo. Era a intelectual com quem queriam fazer a prova, mas com quem quase ninguém brincava no intervalo.

 

Então, eu sei o que é a rejeição. Na vida eclesiástica não escapei disso também. Todos os dias sou lembrada de que alguém não gosta de mim. Isso é algo bastante destruidor na vida de muita gente e, é claro, que não sou imune à dor que isso pode causar.

 

Mas quero repartir com você o consolo que eu recebo. Jesus me escolheu. Ele afirma isso na palavra dele: “Não foram vocês que me escolheram. Eu escolhi vocês”. A minha escolha por Cristo é determinante para a maneira com que vivo a vida e como supero minhas adversidades. Essa escolha me cura da autodepreciação, mas também do orgulho. Ela me livra da vaidade, mas também da baixa estima. Ela me coloca no lugar exato de alguém que está num lugar de segurança, aceitação e confronto conforme eu possa precisar e não por aquilo que eu mereça.

 

O salmista reconhece a pessoa escolhida como bem-aventurada. Essa expressão significa tanto alguém feliz quanto afortunado, sortudo. Obviamente, o termo sorte aqui não tem o lugar-comum que se usa em sociedade. Mas existe na sorte o elemento da falta de merecimento e isso continua relevante para nossa reflexão. Somos felizes e afortunados por sermos escolhidos. E isso depende inteiramente de quem nos escolhe e não de nós mesmos!

 

E fazes chegar a ti

Não apenas Deus, em Cristo, nos escolhe, mas nos faz chegar a Ele. Imagine um rei, ou um presidente, ou uma celebridade. Ela está cercada de seguranças e guarda-costas. É impossível se aproximar de alguém assim sem que a pessoa permita. Agora imagine Deus, no Seu poder e glória. Ele que é Aquele que sobre tudo governa. Como alguém assim, tão grandioso, olharia para cada ser humano com atenção? Saberia o lugar e o valor de qualquer um sobre a terra?

 

Os deuses de outros povos são apresentados quase sempre de modo caprichoso em relação aos humanos. Os deuses gregos, por exemplo, são seres que zombam de sua criação e frequentemente colocam os humanos em apuros... mas o Deus de Israel conhece os fios de cabelos, as intenções do coração, as necessidades e sonhos de cada pessoa. E os leva em conta.

 

Este Deus não apenas escolhe, mas permite e – mais – deseja o relacionamento. Ele faz-nos chegar a Ele. Em tempos de rejeição, tanto a escolha quanto a proximidade são curativos para a alma. Você e eu provavelmente ouviremos muitas pessoas dizendo que não fazem questão de nossa presença. É do ser humano a afronta, o desamparo e a violência. Em tempos como este, em que pessoas que pensam diferentemente não podem ter assento ou acesso, escute o salmista dizer que a pessoa que Deus escolhe é bem-aventurada – e pode chegar perto Dele! Se isso não é consolo, me diga o que mais pode ser!

 

Para que habite em teus átrios

Deus não quer um relacionamento estrito com seus escolhidos. Tampouco quer se aproximar por um momento. O Senhor convida ao cotidiano, ao convívio prolongado. Deus tem anseios de família. Deus quer tempo com a gente. O bem-aventurado do salmo é convidado a morar nos átrios de Deus.

 

No templo de Jerusalém, o átrio era a antessala do lugar mais sagrado, o Santo dos Santos. Nos átrios, não apenas se esperavam as festividades e os eventos começarem, as também era ponto de encontro dos peregrinos. Um lugar onde as pessoas se encontravam e conversavam antes do culto começar.

 

Deus quer que Seus escolhidos habitem juntos. Em tempos de individualismo como o nosso, em que o tecnológico ameaça o pessoal, em que o on-line não é o mesmo que o face a face, em que a ideia de igreja se fortalece em torno da estrutura institucional mais do que nas relações afetivo-humanas, Deus sinaliza a comum-unidade dos escolhidos. O átrio não é um lugar para a solitude, mas para a unidade. Deus nos escolhe para Si e também nos escolhe uns para os outros, umas para as outras. Então, o que vemos acontecer é a verdadeira comunhão dos santos.

 

Nós seremos fartos da bondade da tua casa e do teu santo templo

Temos vivido vidas miseráveis. Podemos ter recursos financeiros ou confiar na herança recebida de nossos antepassados. Mas isso escorre facilmente pelas nossas mãos. Não somos bons em preservar legados. Facilmente, na ânsia das inovações constantes, pecamos e jogamos tudo em saquitéis furados. Corremos por nossas próprias casas, como diz em Ageu, sem perceber que não podemos construir sobre os escombros que nós mesmos causamos com nosso pecado e orgulho.

 

A fartura, porém, vem da casa de Deus e da sua bondade. A fartura não é resultado de nossas mãos ativas, mas de nossos corações quebrantados. Ser escolhido, ter acesso à presença, habitar a casa e ser farto dela – nada disso depende de nós. É tudo a graça divina, que como metodistas tanto falamos, mas que pouco experimentamos. E pouco experimentamos porque pouco dela ofertamos uns aos outros e ao mundo que carece de Deus. Não podemos ofertar como deveríamos, porque não entendemos ainda que somos escolhidos graciosamente. Corremos o risco de viver uma meritocracia evangélica perigosa. Podemos escolhe a nós mesmos ao invés de nos deixarmos escolher pelo Pai.

 

Quero te convidar e me convidar ao arrependimento desta postura petulante que carregamos volta e meia. Porque o verso quatro é resultado da reflexão do verso 3: “Prevalecem as iniquidades contra mim; porém tu limpas as nossas transgressões”.

 

Não deixe que seu pecado prevaleça contra você. Creia que Jesus está hoje disponível e disposto a limpar as suas transgressões. Creia nisso pessoalmente. Mas também creia que isso é possível para sua família. Para seu trabalho. Para sua igreja local. Para sua denominação. Para a igreja no mundo. Para o mundo no universo. Para o universo que cabe na mão do criador.

 

Porque Deus não nos escolheu, nem nos fez chegar a Ele, nem nos fez habitar nos Seus átrios, nem nos fartou de sua bondade deixando em nós a nódoa do agir iníquo. Na Bíblia, iniquidade é aquilo que tem o caráter de “ilegalidade”, aquilo que é o contrário do justo e correto. Então, a justiça precede a escolha divina. É o desejo de nos tornar justos para que possamos nos relacionar com Ele tendo sua mesma natureza. Deus nos escolhe para tudo isso, porque a justiça é o ponto final para onde Ele quer nos levar. E quando isso acontecer, vamos nos assegurar de estarmos do lado Dele, pois “Com coisas tremendas em justiça nos responderá” (Salmo 65.5).

 

Hideide Brito Torres

Bispa da Oitava Região Eclesiástica (DF, GO, MT ,RN, TO)

hideide@gmail.com


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