Chamados e Chamadas à Renovação

Publicado em Artigos, por Redação em 03/07/2023


Refletindo sobre ser “nova criatura”

 

E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas. Ora, tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação – 2 Coríntios 5.17,18 (NAA).

 

Esse é um texto muito conhecido, mas ao mesmo tempo com muitas possibilidades de compreensão. O que significa ser “nova criatura”? Encontramos em nossa tradição cristã uma multiplicidade de interpretações. A maioria delas acaba por enfatizar o eu, a mudança pessoal, uma renovação da piedade pessoal. Sem descartar esses sentidos, que são importantes, queremos olhar essa expressão em uma perspectiva mais ampla. Para isso, a fim de refletir sobre essa afirmação do apóstolo Paulo para os cristãos e cristãs de Corinto, precisamos discutir sobre as diversas possibilidades de tradução da palavra kitsis, que foi usada pelo apóstolo na língua em que foi escrito o Novo Testamento e que em nosso texto foi traduzida por “criatura”. Em Romanos 8.19, outro texto em que Paulo utiliza a palavra kitsis, encontramos a seguinte tradução: “A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus”. Aqui essa palavra é traduzida por “criação”. É um sentido diferente e que, se utilizado em nosso texto teríamos a seguinte tradução: “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criação”. É a partir dessa possibilidade de tradução que buscaremos compreender o texto.

 

Mudança de perspectiva

A carta de 2 Coríntios é um conjunto de recados de Paulo para uma igreja que está vivendo um período de grande turbulência e com grupos em conflito intenso com o apóstolo. Diante dessa situação, Paulo precisa orientar, admoestar e, inclusive, se defender de acusações muito sérias. Nos capítulos de 10 a 13 dessa carta ele se defende das acusações feitas por esses adversários de não ser apóstolo, de ser mundano, de ter uma pregação desprezível e uma aparência fraca (Alguns dizem: “As cartas são graves e fortes, mas a presença pessoal dele é fraca e a sua palavra é desprezível” – 2 Coríntios 10.10). Frente a uma conjuntura tão conflitiva, Paulo orienta a igreja a uma mudança de vida e também a uma mudança profunda de perspectiva.

 

É nessa conjuntura que precisamos entender o capítulo 5. Nele, o apóstolo afirma que mesmo que os cristãos necessitassem enfrentar a morte ela não tem mais a última palavra (2 Coríntios 5.1) pois, por meio de Cristo nós e o mundo fomos reconciliados com Deus (2 Coríntios 5.19). As coisas antigas já passaram. Aqui, a mudança da tradução de “criatura” por “criação” ganha sentido. Nova criação é uma alusão ao reino de Deus. A partir da experiência da fé em Cristo já começamos a viver como habitantes do reino de Deus. Um reino que ainda não chegou a sua plenitude, mas que já está presente, renovando, transformando e alimentando a fé e a vida dos cristãos e cristãs.

 

Com isso, o desafio do apóstolo apresentado à comunidade de Corinto e a todas as comunidades cristãs, inclusive as nossas, é que, se a experiência de fé em Cristo provoca renovação, vivenciar o “ser nova criação” é a consequência disso. Não se pode mais viver em torno dos antigos hábitos, em torno das antigas práticas ou em torno dos antigos projetos e desejos. Os conflitos, a incompreensão e a falta de amor não condizem com a experiência de ser nova criação. O próprio corpo já não pode ser visto como o centro de tudo. O apóstolo afirma: “Pois sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos humanas, eterna, nos céus” (2 Coríntios 5.1). Essa afirmação transmite uma mensagem de esperança. Mesmo que a morte destrua nosso corpo (tabernáculo terrestre), como nova criação” vivemos a realidade do reino de Deus, onde já somos herdeiros de um edifício eterno. Somos moradores/as do reino de Deus. Porém, isso não pode apenas trazer esperança diante da morte, precisa também mudar as ênfases e os projetos que dirigem nosso cotidiano.

 

Reconciliar o mundo com Deus

 

A partir dessa nova realidade, somos definidos/as pelo apóstolo como uma nova criação vivendo ainda na antiga criação. Somos, portanto, embaixadores em nome de Cristo para a reconciliação. Paulo convida os cristãos e as cristãs a vencerem os conflitos, as divisões e as incompreensões a partir da mudança de projetos de vida e de ênfases para o cotidiano. Convida também cristãos e cristãs a serem promotores de reconciliação e não espelho de um mundo marcado por divisões.

 

Aqui o texto nos confronta como igreja hoje. Vivemos em um mundo em que as divisões, a violência e os conflitos crescem de maneira exponencial. O que causa estranheza, é que a igreja se torna espelho dessa realidade. O texto nos convida a sermos “nova criação”. Homens e mulheres em que a partir de sua experiência de fé com Cristo passam a viver hoje a dimensão do reino futuro, ou seja, não espelhando as mazelas de nossa realidade, tornam-se, portanto, embaixadores e embaixadoras em nome de Cristo para reconciliar o mundo com Deus.

 

 

Rev. Paulo Roberto Garcia

3ª Região Eclesiástica


Posts Relacionados


Deixe seu comentário:

=