Em busca da bem-aventurança

Publicado em Radar da sé, por Redação em 27/03/2023


Faço novas todas as coisas. Estas palavras são fiéis e verdadeiras.

Na caverna de Patmos, ilha próxima ao mar Egeu, na Grécia, fiquei por um bom tempo meditando no texto do amado João (Apocalipse 21.5), num ambiente de atmosfera contagiante. João ficou trancado nessa caverna por seis meses, na condição de exilado. Cumpriu a pena de segregação e retirou-se para Éfeso, onde escreveu o que lhe fora revelado.

É a narrativa da experiência única, a visão proporcionada, a bem-aventurança prometida aos que ouvem e guardam as palavras proféticas. Há uma semelhança com aquilo que foi escrito por Isaías (43.19): eis que faço coisa nova, que está saindo à luz - porventura não o percebeis? O versículo é precedido por outro, 42.9: eis que as primeiras predições já se cumpriram e novas coisas vos anuncio, e antes que sucedam, eu a farei ouvi-las.

Perceber... fiz uma ligação automática com a conhecida passagem contando que Filipe (Atos 8.26-40) ouve um anjo do Senhor que diz para ele ir encontrar-se, no caminho de Jerusalém-Gaza, com um alto oficial de Cadace, rainha dos etíopes, que estava numa carruagem lendo justamente o livro de Isaías. Chegando ao lugar indicado, Filipe perguntou ao oficial: você compreende o que está lendo? O oficial respondeu: como entender, se alguém não me explicar?

Creio que a interligação dos dois textos, João e Isaías, nos ajuda a absorver as mensagens, por vezes cifrada, contidas no texto apocalíptico. João falou e pregou sobre Jesus, foi punido com uma forma de castigo para deixá-lo bem longe do povo, daí a escrita ser codificada. A navegação pelo Egeu é longa. A reclusão na caverna foi bastante significativa para João, no forçado isolamento, mas por outro lado necessária para ele receber a revelação. Abrem-se as cortinas. Desvenda-se o véu. Apocalipse agora, now no título do belíssimo filme com Marlon Brando no papel principal. Mas era preciso usar artifícios verbais para ocultar muitas das revelações e assim escapar da ira repressiva do império romano. Por isso, é preciso estudar intensamente o conteúdo profundo do livro. Considere-se, assim, que apocalipse não vem a ser o fim do mundo, como tanto se costuma repetir. Dentro da caverna, pedi a Deus que iluminasse a minha mente para compreender melhor tantos significados emblemáticos, aparentemente misteriosos. Sim, porque estar dentro da caverna é um privilégio, uma bênção, tornando bem forte a necessidade emocionante de penetrar nos segredos ali contidos. Isolamento total. Prisão. Introspecção para perceber as revelações do Altíssimo. Concentração total. Saber ouvir. Saber transmitir. Saber ler. Tudo está escrito.

Perceba que é preciso estudar, e muito, este magnífico livro bíblico, o último das Escrituras, para entender o seu profundo conteúdo. Na Patmos - hoje habitada -, a figura joanina é muito respeitada, a ponto de se referir a ele, sempre, como “teólogo” e o texto ser o texto indispensável numa disciplina escolar especial, presente em todos os graus de formação escolar.

O que você poderia ganhar espiritualmente com isso? Muito. O profeta lírico Isaías, um dos grandes do Antigo Testamento, filho de Amós, deixou bem claro (40.31): os que esperam (confiam) no Senhor renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam. Voe e pense alto, também.

Quer coisas melhores? Eis o que vem a ser “faço novas todas as coisas”. Tudo novo. Você em renovação. Você se transformando. Você sendo uma nova pessoa. Você desfrutando da redenção. Você vivendo uma espécie de novo nascimento, coisa que o doutor Nicodemus teve dificuldades em entender direito. Porque se trata de lançar um olhar inteligente sobre o seu próprio “eu”. Nascer de novo.

Estamos falando de um longo alcance, o olhar macro, e não micro. A salvação, eterna, é macra.

Agora que chegamos a oito bilhões de habitantes em nosso planeta, percebemos, com a inspiração de Isaías, que a seara é muito grande nesses campos sem fim. Há regiões numerosíssimas, em muitas das quais não se faz a menor ideia do que seja cristianismo.

Tudo novo. Você em renovação.
Você se transformando. Você
sendo uma nova pessoa. Você
desfrutando da redenção. Você
vivendo uma espécie de novo
nascimento. Nascer de novo.


Na sua oração sacerdotal (João 17.21), Jesus pede para que todos sejam um, assim como Ele é na esfera divina, mas nem nós mesmos, pecadores, sabemos ouvir isso, perdidos em fragmentações, como se o Altíssimo tivesse criado alguns povos mais importantes do que outros, e disséssemos - conscientemente ou não - que o Senhor pode estar aqui, mas não ali. Convenhamos...

Talvez por isso, Ésquilo - na Grécia antiga - recomendasse que a humanidade se dedicasse a domar a selvageria e tornar suave a vida neste mundo. Indagava: como explicar que povos cultos cometam crimes indesculpáveis? Povos que sofreram, mas hoje fazem sofrer?

Não aprenderam nada com a História? Como se conceber o absurdo que o Altíssimo poderia ter criado povos que contrariam a igualdade? Nós, sempre; eles nunca?

Fazer a nossa parte, claro que sim. Porque precisamos, cada vez mais, de pessoas, que fazem os governos, sejam comprometidas com sincera vontade de mudar o país, com inspiração no sonho, como Luther King, e ensinadas pelos exemplos.

Afinal, o que queremos? Desejamos uns aos outros, neste começo de 2023, um feliz ano novo. A rigor, mais do que um, porque o contentamento nesse sentido só pode vir acompanhado por vários.

Como isso seria possível, pessoal e coletivamente? Deus, o criador de tudo e de todos, pode fazer coisas novas. Palavras fiéis e verdadeiras, como frisado por João.

A lição só vale para os leitores do escritor João? Não. O texto é perene. Valeu para aqueles tempos de jugo. Vale no nosso cotidiano.

O que seria concretamente isto? Planejar, estabelecer alvos, metas, propósitos, projetar vontades e sonhos para alcançar êxito. Lembro-me de que mamãe Percides recomendava, na passagem de ano (no passado, sempre em cultos na igreja), que anotássemos os nossos desejos para o ano novo que se aproximava e conferíssemos, ao final, o que havíamos conseguido ou não, porque planejar/sonhar é bem diferente das agruras sociais que nos vitimavam.

Mas as recomendações de mamãe eram bem interessantes, porque se de um lado sonhos eram frustrados, de outro, eles poderiam ser alcançados bem mais para frente, porque afinal de contas tudo - segundo Eclesiastes, tem o seu tempo rigorosamente certo.

Todos nós temos um objetivo, um alvo, uma vontade, um desejo. Para se alcançar o que se pretende é preciso planejar para ter condições de conseguir. O querer é abrangente. O caminho para alguém ser bem-aventurado passa exatamente por isso. Acerta-se o alvo com determinação, é preciso pensar naquilo que se vai se fazer, muitas vezes com sacrifícios, abstenções, renúncias, até sofrimentos.

Se não for assim, o que você poderia esperar? Que a sorte pudesse bater à sua porta? Deus pode e vai ajudar, desde que você busque, ore e mereça, e nessa sintonia (não se pode lembrar de Deus somente nas horas amargas, mas agradecer a Ele, sempre, nas horas boas). É a receita para você se tornar melhor. A fórmula para você se aperfeiçoar profissionalmente. As consequências que você irá obter na sintonia, sem cessar, com Deus. É assim que podemos nos ajudar, em termos pessoais, e melhorar bastante as nossas relações.

Planejar é adotar uma estratégia. Planejar é saber tomar decisões adequadas na hora certa, ser assertivo e coerente, não pisar nos outros para obter algo, esquadrinhar para definir o que possa ser possível e não utópico, prestar atenção na sua saúde, não só física como mental (você pode estar fora de prumo sem perceber) e ter tempo de qualidade de vida com familiares e amigos. Esses fatores se conectam. A vida é um todo, uma arte, uma gestação de coisas novas, como transmite João, super conectado com Deus. É a vida equilibrada e mentalmente organizada.

Feliz ano novo... faço novas todas as coisas... Passo por transformação. A minha vida passa a ser a de outra pessoa, tal a profundidade e dimensão de reinventar-se. Descubro que ser feliz num novo ano não é apenas um estado de alegria eufórica. No idioma dinamarquês, a palavra para definir a bem-aventurança é hygge, que quer dizer um estado de espírito, que saiba combinar uma série de fatores. Entre eles, a sensação de bem-estar, como se fôssemos um refúgio de paz e segurança, gerador de um ambiente de harmonia.

Este é o nosso capital, mesmo dentro da perversa economia global, porque nele estão contidos os recursos indispensáveis para se conseguir a tão almejada felicidade.

Então, no mais amplo dos sentidos, nossos votos para que o seu novo ano de fato seja feliz, abundante em transformações, realizações, conquistas e, principalmente, com as bênçãos de Deus.

Percival de Souza



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